As atenções no pós-pandemia em termos de recuperação verde da economia mundial, teve seu curso interrompido. No momento em que o mundo discutia medidas para contenção de emissões de gases de efeito estufa (GEE) – após novos compromissos assumidos, por países diversos, na COP-26, ocorrida em Glasgow, na Escócia, em novembro de 2021, a tensão extrema no Leste Europeu, entre Ucrânia/EUA/Otan e Rússia, vem na contramão da retomada verde, no pós-pandemia da Covid-19.
De acordo com o Protocolo de Quioto, os principais GEE são: dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), clorofluorcarbonos (CFCs), hidrofluorcarbonos (HFCs), perfluorcarbonos (PFCs), hexafluoreto de enxofre (SF6). Em termos mundiais, o dióxido de carbono (CO2) compreende algo em torno de 74% das emissões de gases de efeito estufa. A maioria das emissões de CO2 (89%) é proveniente do uso de combustíveis fósseis, especialmente para geração de eletricidade e calor, transporte, fabricação e consumo.
Conter o aquecimento global minimizando a queima de combustíveis fósseis – carvão mineral, gás natural e petróleo – para limitar o aquecimento global provocado pela emissão de gases de efeito estufa, tornou-se uma medida emergencial para manter a saúde do Planeta e garantir vida para todos nós, seus habitantes.
O novo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), divulgado no final de fevereiro deste ano, destaca, mais uma vez, os impactos crescentes que são prenunciados enquanto o aumento das temperaturas ao redor do globo, atualmente em 1,1 graus Celsius sobre o período pré-industrial, avançar na direção de 1,5 graus. O IPCC alerta que na próxima década mais de um bilhão de pessoas ficarão sob risco de efeitos negativos do clima sobre áreas costeiras. Estima-se que o aumento do nível do mar, provocado pelo aquecimento global, poderá chegar aos 2 metros de altura no final do século XXI.
À medida que a terra aquece, o clima vai se transformando e os inúmeros problemas decorrentes das mudanças climáticas se avolumam e tornam-se parte do nosso cotidiano. São as catástrofes provocadas por eventos climáticos extremos – terremotos, furacões, ciclones, secas prolongadas, chuvas torrenciais, inundações, nuvens de poeira, derretimento de geleiras dentre outros que já assolam o mundo inteiro, tirando a vida e tranquilidade de milhares de seres humanos, agravando a pobreza e a fome.
Os cinco países que mais poluíram desde a Revolução Industrial, de 1850 a 2021, são: EUA, China, Rússia, Brasil e Indonésia. No Brasil e na Indonésia, a maior parte das emissões vem da derrubada de florestas e uso do solo para pecuária e agricultura e não da queima de combustíveis fósseis, como ocorre com os demais grandes poluidores. Somos privilegiados, abrigamos a maior floresta tropical do planeta, a Floresta Amazônica. Temos que ter vergonha na cara e combater o desmatamento. Apenas 46% da matriz energética brasileira é constituída por combustíveis fósseis, como o petróleo e o carvão mineral. A matriz elétrica brasileira é ainda mais limpa, baseada em fontes renováveis de energia sendo 65% de energia hidráulica que junto com outras fontes de energia renováveis totalizam cerca de 83%. Combustíveis fósseis são só 17%.
Segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), 22,8% da matriz energética mundial é composta por gás natural, ficando atrás apenas do petróleo e derivados (31,5%), e do carvão mineral (26,9%). Ou seja, cerca de 81% são combustíveis fósseis. O mesmo levantamento da EPE mostra que 38% da matriz elétrica mundial é composta por carvão mineral, 23% por gás natural, 10% nuclear e 16% hidráulica.
Olhando para os principais emissores observamos que na maior e mais poderosa economia do mundo, os Estados Unidos, tanto a matriz energética, quanto a matriz elétrica, precisam ser mudadas no caminho para um mundo menos poluído. Em 2020, a energia renovável foi responsável por produzir apenas 21% da eletricidade nos EUA, enquanto o restante foi gerado por fontes como o gás natural (40%), a energia nuclear (20%) e o carvão (19%). O governo do presidente Joe Biden, fez da luta contra as mudanças climáticas, uma de suas principais bandeiras de campanha, se contrapondo ao ex-presidente que derrotou nas urnas, o negacionista Donald Trump, que advoga contra a descarbonização e combate aos fatores responsáveis pelo aquecimento global, visto que não acredita que sejam antropogênicos, atribuindo-os apenas a transformações naturais. Biden prometeu mudar a matriz elétrica tal que a energia solar representaria 37% do total da eletricidade em 2035, e o restante seria produzido por energia eólica (36%), nuclear (11% -13%), hidrelétrica (5% -6%), biomassa e geotérmica (1%). Até 2050, anunciou que 40% serão de fonte solar.
A China, segundo maior PIB da economia mundial, há décadas utiliza como principal fonte de energia o carvão mineral, amplamente empregado para aquecimento, geração de energia e siderurgia. Em 2020, representou quase 60% do uso total de energia do país. O governo chinês, nas mãos do Partido Comunista Chinês, vem prometendo instalar uma capacidade de geração eólica e solar suficiente para fazer com que essas fontes passem a representar 11% do total da matriz elétrica do país. A energia solar e eólica vem crescendo no país, mas ainda há enorme resistência para abandonar projetos de energia nuclear e a carvão.
A matriz energética russa é dominada por combustíveis fósseis – gás natural (53%), carvão (12%) e petróleo (22%). As fontes de energia limpas são representadas, principalmente, por hidrelétricas (5%) e nuclear (6%).
Na verdade, em quase todos os países, os combustíveis fósseis constituem a principal fonte energética, com predomínio do carvão mineral na China, Índia e África do Sul e do gás natural na Rússia. Na Europa cerca de 77% das necessidades energéticas são satisfeitas com recurso ao petróleo, ao gás e ao carvão.
Esse processo de usar combustíveis fosseis causadores do aquecimento global levou diversos países a adotarem medidas direcionadas à descarbonização, tanto em nível de oferta, quanto de demanda. Assim, o aumento da participação de energias renováveis em suas matrizes energéticas e elétricas, a redução da participação de combustíveis fósseis, o estímulo ao desenvolvimento de tecnologias que permitam a redução das emissões de gases potencializadores do efeito estufa (GEE) e o sequestro de gás carbônico nos processos produtivos foram incorporados aos discursos de lideranças de todos os continentes, com menos adesão da África que ainda padece de falta de energia.
Entre as medidas para contenção de emissões de gases de efeito estufa, em uma agenda climática que se arrasta desde a Eco-92, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, figuram, ações concretas, sugeridas por especialistas e acatadas por países tanto na Ásia quanto na Europa, de intensificação do uso do gás natural no processo de transição para a economia de baixo carbono. Ao substituir combustíveis fósseis mais poluentes, o gás natural permite a redução de emissões de CO2 e de outros poluentes, refletindo em melhoria da qualidade de vida e de produtividade.
Embora o gás natural seja um combustível fóssil não renovável e, portanto, fonte de emissão de GEE, é dotado de grande teor energético, sendo bastante aproveitado nas indústrias para a geração de energia elétrica e em residências como fonte de calor e refrigeração. A estratégia global era de, paulatinamente, ir substituindo o carvão mineral na matriz energética mundial pelo gás natural, diminuindo, de forma significativa, as emissões de GEE, dado que o carvão mineral produz duas vezes mais dióxido de carbono, por unidade de energia térmica, do que o gás natural. Ganhos econômicos e ambientais com o gás natural são factíveis e atingíveis no curto e médio prazo, o que não é verdade para algumas fontes de energia. Não se muda uma matriz energética da noite para o dia. O passo seguinte seria a expansão de formas renováveis de energia como a eólica, solar e de biomassas complementares à energia hídrica, os biocombustíveis entre outras.
Acontece que a Rússia detém 19% das reservas de gás natural mundiais e é responsável pelo fornecimento de cerca de 40% do gás natural consumido em países da União Europeia. A interrupção da certificação do gasoduto Nord Stream 2 entre a Rússia e a Alemanha, repercutirá sobre os preços de energia na Europa Ocidental e impactará a vida das pessoas. Para a Alemanha, a maior economia do bloco, a Rússia fornece cerca de metade do gás natural que ela consome. E a Áustria, Hungria, Eslovênia e Eslováquia obtêm cerca de 60% de seu gás natural da Rússia; a Polônia obtém 80%. Com a diminuição da oferta de gás natural a alternativa que se coloca é a substituição pelo carvão mineral. Retardar a desativação de usinas nucleares também está no menu de possibilidades. Qualquer dessas alternativas será um retrocesso no caminho para o desenvolvimento sustentável.
Ademais, estamos em pleno inverno quando os reservatórios de gás natural europeus ficam desabastecidos, já que o consumo de energia em períodos de temperaturas extremas é maior. O preço do gás natural já começou a disparar, o do petróleo também. Inflação se somará às tragédias humanitárias que as guerras desencadeiam – interrupção de crescimento econômico, crise dos refugiados, desabastecimentos e mortes. Sanções à Rússia, um dos maiores produtores de petróleo do mundo, maior exportador de fertilizantes e berço das maiores reservas de gás natural, vão gerar reações, agravar esse quadro e contaminar a economia mundial com mais inflação, baixo crescimento, crise de energia entre muitos outros efeitos perversos.
A guerra no Leste Europeu entre Ucrânia/EUA/Otan e Rússia comprometerá o caminho na direção da economia de baixo carbono no pós-pandemia da Covid-19. Reverberá para o mundo inteiro. Massacrará pessoas inocentes. Haverá mais mortes que se somarão às mais de 5 milhões de vidas vitimadas pela epidemia da Covid-19, desde o final de 2019. Aos resultados nefastos da pandemia, ainda não vencida, se somarão números crescentes de desempregados, refugiados, famintos, miseráveis e vítimas de catástrofes ambientais agravadas pelo aquecimento global. Será um jogo de perde-perde, só haverá perdedores.