Mercado de Créditos de Carbono: caminho para desenvolvimento sustentável



De acordo com notícia veiculada pela Agência Brasil, O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) vai comprar 10 milhões de créditos de carbono. A prioridade recairá sobre títulos de reflorestamento, energia e aqueles ligados a projetos de redução de emissões provenientes de desmatamento e degradação florestal (REDD +). Já estava anunciada uma compra piloto por meio de carta-convite para o fim do primeiro semestre de 2022, de cerca de R$ 20 milhões, e um leilão de R$ 50 milhões até o final do ano.1

A notícia é muito boa. É um sinal de ativação do mercado voluntário de créditos de carbono por parte do governo brasileiro. O mercado de créditos de carbono apresenta-se como importante instrumento para limitar um dos maiores problemas enfrentados pelo Planeta, o aquecimento global, provocado pela emissão de gases de efeito estufa (GEE), mas, também, como oportunidade para realização de bons negócios. O comércio mundial de carbono deve movimentar cerca de US$ 167 bilhões, por ano, até 2030. E o Brasil pode ser um dos maiores players tirando proveito das florestas e da agricultura para receber uma boa parte desses investimentos. De acordo com Ronaldo Seroa, professor de economia da UERJ, estima-se que o Brasil tenha pelo menos 30 a 40% desse mercado, o que significa negócios de US$ 30 a US$ 70 bilhões em títulos de créditos de carbono. Mas, é preciso que o Brasil queira fazer isso. Tem que avançar na regulamentação para criar uma estrutura de governança no país e valorizar as nossas vantagens competitivas.2

Segundo o BNDES, o mercado necessita crescer mais de 15 vezes, até 2030, para cumprir as metas do Acordo de Paris, que pretende atingir o equilíbrio entre emissão e remoção dos gases causadores do efeito estufa, até o ano de 2050. Esse equilíbrio é denominado de neutralidade de carbono.

Anteriormente, foi o Banco do Brasil, conforme noticiado pelo Valor Econômico, que se movimentou, realizando compras de créditos de carbono para compensar suas próprias emissões, geradas pelo uso de veículos corporativos, de ar-condicionados e combustível para geradores de energia elétrica. Valores bem abaixo da compra do BNDES e com objetivos também diferentes. No caso do Banco do Brasil, perseguir o caminho para atingir neutralidade de carbono na empresa.

A ideia do mercado de créditos de carbono surgiu desde a criação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (UNFCCC, em inglês), durante a ECO-92, no Rio de Janeiro, em 1992. Quase três décadas se passaram e vinte seis reuniões foram realizadas entre as partes envolvidas na Convenção, conhecidas como COPs (Conferência das Partes), sem que se definisse as bases da regulamentação do mercado internacional. A última COP, a de número 26, realizou-se em Glasgow, na Escócia, entre a última semana de outubro e a primeira de novembro de 2021. Os resultados, em termos de avanços, ficaram aquém das expectativas.

Voltando um pouco na história, foi durante a COP-3, realizada em Quioto, no Japão, em 1997, que foi assinado um dos principais acordos globais relacionados à redução das emissões de GEE, o Protocolo de Quioto. O Protocolo entrou em vigor apenas no dia 16 de fevereiro de 2005, logo após o atendimento às condições que exigiam a ratificação por, no mínimo 55% do total de países-membros da Convenção, e que fossem responsáveis por, pelo menos, 55% do total das emissões de 1990, ano tomado como base, o que só aconteceu depois que a Rússia o ratificou, em novembro de 2004. Os Estados Unidos, à época os maiores emissores de GEE, não colaboraram. Não ratificaram o Acordo.

O Protocolo estabeleceu alguns mecanismos internacionais de mercado bastante inovadores. Fruto de uma proposta brasileira, surgiu o mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL), criando oportunidades de desenvolvimento social e econômico sustentável para os países em crescimento. O MDL representa uma flexibilização do Protocolo na medida em que permite a implementação de projetos, nos países em desenvolvimento, em geral menos emissores e muitas vezes sequestradores de gases de efeito estufa da atmosfera, possibilitando a criação de reduções certificadas de emissão (RCEs), a serem convertidas em créditos. O MDL é, portanto, o instrumento de mercado de carbono do Protocolo, tal que a redução de emissões passa a ter valor econômico.

Em novembro de 2013, na COP-19, em Varsóvia, Polônia, foi aprovado o Marco de Varsóvia para REDD+ – uma arquitetura internacional para prover incentivos financeiros a países em desenvolvimento que se dispusessem a implementar políticas de REDD+. Por meio desse instrumento, esses países se tornaram elegíveis para receber “pagamentos por resultados”. Para o Brasil, isso foi muito importante pois os resultados provenientes de reflorestamento passaram a ser fontes geradoras de créditos de carbono e passíveis de troca nos mercados regulados mundiais. Esse ponto tem sido objeto de muitas controvérsias com os negociadores do Brasil porque nosso entendimento sobre como computar os créditos que adviriam da Floresta Amazônica, levam em consideração nossos esforços de preservação, ponto nem sempre aceito por negociadores de outros países.

A COP-21, realizada em Paris, em 2015, com a participação de chefes de Estado de 197 países foi um marco na direção de busca de soluções mais efetivas para o combate ao aquecimento global. Foi firmado o Acordo de Paris, no qual as nações desenvolvidas e em desenvolvimento se comprometeram a implementar mudanças de redução das emissões a partir de metas quantitativas, individualmente e voluntariamente determinadas. Essas metas, conhecidas como Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, na sigla em inglês), entrariam em vigor a partir de 2020.

Na NDC do Brasil, por exemplo, figura o compromisso de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005, em 2025, com uma contribuição indicativa subsequente de reduzir as emissões de GEE em 43% até 2030. Para isso, o País se comprometeu a aumentar a participação de bioenergia sustentável na sua matriz energética para, aproximadamente, 18% até 2030; restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas, bem como alcançar uma participação estimada de 45% de energias renováveis na composição da matriz energética em 2030. A NDC do Brasil, corresponde a uma redução estimada em 66% em termos de intensidade de emissões de gases efeito de estufa por unidade do Produto Interno Bruto (PIB), em 2025, e em 75% em 2030, ambas em relação a 2005. O Brasil tem a seu favor o fato de possuir matrizes energética e elétrica relativamente limpas, com destaque para usinas hidrelétricas e presença forte de fontes renováveis de energia.

Foi estabelecido que o Acordo de Paris vigoraria a partir de 2021, após a COP-26, substituindo o Protocolo de Quioto. Como a COP-26, por conta da epidemia por Covid-19, só ocorreu no final de 2021, em Glasgow, na Escócia, houve atraso na implementação de metas por inúmeros países. A guerra na Ucrânia comprometeu, também, o projeto de “retomada verde no pós-pandemia”.

No que se refere ao financiamento climático, o Acordo de Paris determina que os países desenvolvidos deverão investir 100 bilhões de dólares, por ano, em ações de mitigação e adaptação ao clima, em países em desenvolvimento, ente 2020 e 2025.

Além de metas quantitativas, o Acordo de Paris avançou na ideia de regulamentar o mercado de créditos de carbono. Embora a concepção tenha surgido em 1997, não houve grandes progressos pela falta de acordos e regulamentação adequada, principalmente para a comercialização entre governos de países. O artigo 6 do Acordo de Paris, estabelece dois tipos de mercado de carbono: o regulado e o voluntário. O regulado é uma espécie de um grande comércio internacional de redução de emissões/remoções entre os países (artigo 6.2). O voluntário é a geração de redução de emissões com base em projetos privados, certificados e validados por um órgão supervisor constituído dentro do Acordo (artigo 6.4).


O mercado regulado permite que os países troquem, entre si ,os chamados “Resultados de Mitigação Internacionalmente Transferidos” (ITMOs). Mas, não está totalmente claro, se são quaisquer reduções de emissão/remoções ou somente aquelas dentre as atividades previstas na NDC do país. O regulado ainda carece de muitos entendimentos e a COP-26 avançou na regulamentação menos do que se previa. O mercado voluntário está em pleno florescimento. Contudo, o mais importante, é enxergar o Artigo 6 como uma janela de oportunidades para o Brasil, que poderá gerar e negociar seus créditos florestais e agrícolas a partir dos incomensuráveis ativos naturais que o país possui. Engajar o setor privado no comércio global de créditos de carbono é fundamental e complementar para que o Brasil atinja a neutralidade de carbono, em 2050, como acordado nos fóruns internacionais.


O que falta é regulamentação. As regras para o comércio dos títulos de redução de emissões, apesar de serem um tema consolidado desde 2004, com a validação do Protocolo de Quioto, ainda hoje não saíram do papel em termos válidos e pactuados internacionalmente. Há mercados nacionais em atividade, cada um com suas regras, mas falta uma regulação global.

Como funciona o mercado de carbono?


De forma mais ampla, o mercado de carbono é um mecanismo que permite a venda e compra de créditos de carbono, por agentes que reduzem as emissões de GEE para agentes com dificuldade de cumprir suas metas de redução. O crédito de carbono é a moeda utilizada no mercado. São certificados digitais e podem ser emitidos por governos ou empresas e projetos ambientais e vendidos a governos, indivíduos e empresas que precisem, ou queiram, mitigar suas emissões de GEE.


Por convenção, uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) sequestrada (removida) ou que deixa de ser emitida corresponde a um crédito de carbono. Estes créditos podem ser negociados nos mercados nacionais e internacionais. A redução da emissão de outros gases, igualmente geradores do efeito estufa, também pode ser convertida em créditos de carbono, utilizando-se o conceito de carbono equivalente. Utiliza-se o conceito de carbono equivalente porque em termos mundiais, o dióxido de carbono (CO2) compreende 74% das emissões totais de gases de GEE. A maioria das emissões de CO2 (89%) é proveniente do uso de combustíveis fósseis, especialmente para geração de eletricidade e calor, transporte, fabricação e consumo. O setor de uso da terra, mudança no uso da terra e silvicultura, representa cerca de 7% das emissões de CO2 produzidas pelo homem e decorrem, primordialmente, de desmatamentos. Outros gases poluidores além do dióxido de carbono (CO2) são: metano (CH4), óxido nitroso (N2O), clorofluorcarbonos (CFCs), hidrofluorcarbonos (HFCs), perfluorcarbonos (PFCs), hexafluoreto de enxofre (SF6).

No Brasil, as principais fontes geradoras de GEE são: mudança no uso da terra e o desmatamento de florestas (em torno de 50%); a queima de combustíveis fósseis – carvão mineral, gás natural e petróleo; fertilizantes utilizados na agricultura que liberam óxido nitroso (N2O); a produção de gás e petróleo; transportes e os processos digestivos de ruminantes que emitem metano (CH4). E os setores que mais liberam GEE são: agropecuária, a geração de energia e calor, a indústria com destaque para os transportes, e o lixo. Assim sendo, o uso de energia renovável, a eletrificação do setor de transporte, a introdução de práticas agropecuárias sustentáveis, a contenção do desmatamento, queimadas e da degradação florestal e as atividades de reflorestamento são maneiras de reduzir as emissões de gases de efeito estufa e nos tornarmos protagonistas no mercado de créditos de carbono.

A Floresta Amazônica para o Brasil é um trunfo, na medida em que grandes quantidades de carbono são armazenadas pelas árvores e outras plantas. As árvores absorvem gás carbônico e jogam oxigênio na atmosfera. Esse é processo natural de fotossíntese. O acúmulo de material orgânico no solo, também, armazena carbono agindo como sequestrador de CO2 . A péssima notícia é que pesquisadores têm alertado que com as queimadas e desmatamentos cada vez mais intensos na Amazônia, no período recente, temos emitido mais do que sequestramos. O desmatamento na Amazônia Legal vem batendo recordes. Em fevereiro de 2022, cerca de 199 km² de superfície foram destruídos na maior floresta tropical do mundo, de acordo com imagens de satélites e dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Isso reflete a ausência de compromisso do governo de Jair Bolsonaro com a agenda climática mundial. Esso estrago ainda é reversível, na medida em que cessem desmatamentos, queimadas e sejam cumpridas as metas firmadas por meio do Acordo de Paris de reflorestar 12 milhões de hectares de área de florestas. O governo de Jair Bolsonaro assumiu, a contragosto, na COP-26, o compromisso de zerar os desmatamentos até 2028 e expandir a meta da NDC de redução de emissões até 2030, de 43% para 50% em relação ao que existia em 2005. A sociedade brasileira precisa ficar vigilante.

A NDC para o Brasil é totalmente factível. De acordo com dados analisados por pesquisadores do IPEA, em 2005, o ano base para as metas estabelecidas pelo Acordo de Paris, o Brasil emitiu 2.133 milhões de tCO2e. Já em 2015, o volume caiu para 1.368 milhões, o que corresponde a uma redução de 35,9%. Resultado próximo do compromisso brasileiro de redução de emissões de 37% até 2025.3

Aumentar a presença de carbono no solo (recarbonização do solo) é outra forma de evitar lançar CO2 na atmosfera. Para agricultores e pecuaristas, é uma boa prática pois contribui para a saúde do solo e para a produtividade das culturas. Integrar o plantio de árvores nas fazendas também pode ajudar a remover o carbono e gerar créditos a serem comercializados. A remoção de carbono pode ser realizada de várias formas, pelo uso de novas tecnologias até práticas de manejo da terra. A grande questão é se essas abordagens podem fornecer a remoção de carbono na escala necessária, nas próximas décadas, para que o Mundo, e o Brasil, em particular, cumpram suas metas e não permitam que o Planeta aqueça acima dos 2oCelsius.

O processo de sequestrar artificialmente CO2 da atmosfera é conhecido no Brasil e vem sendo utilizado por empresas como a Petrobras, há mais de uma década. Desde 2008 a Petrobras começou a sequestrar carbono e depositá-lo em áreas já usadas para a extração de petróleo. Há mais de três décadas, empresas de petróleo injetam gás carbônico (CO2) em alguns de seus poços porque isso ajuda a retirar resíduos de combustíveis do subsolo. As injeções em larga escala de carbono em terra estavam sendo realizadas na Bahia, e sob o mar, na bacia de Campos. A expectativa era já chegar a 2014 com um armazenamento de CO2 da ordem de 10 milhões de toneladas por ano, ou seja, o equivalente a 10 milhões de créditos de carbono.

Nos últimos 11 anos, a Petrobras reduziu em 47% as emissões de gases de efeito estufa na produção de cada barril de petróleo atingindo, no primeiro semestre de 2021, uma intensidade de carbono de 15,8 kgCO2e por barril de óleo equivalente – marca que a posiciona entre as empresas líderes na produção de óleo e gás com menos emissões. Além de investir na redução de emissões nas operações, a Petrobras apoia, voluntariamente, projetos voltados à conservação e recuperação de florestas e áreas naturais que contribuem para o sequestro e fixação de carbono e para evitar emissões, por meio do Programa Petrobras Socioambiental.4

Segundo o IPCC, o painel do clima das Nações Unidas, será preciso eliminar mais 25 bilhões de toneladas de CO2, por ano, até 2050. E o enterro de carbono pode ajudar: segundo o IPCC, a tecnologia tem o potencial de eliminar pelo menos 21%.

Há inúmeras tecnologias de captura de CO2 da atmosfera em progresso, mas dependem de investimento público em pesquisa e desenvolvimento. Os Estados Unidos, China e União Europeia têm investido bastante nessa direção, o Brasil, muito aquém do necessário.

Como são contabilizadas as emissões


Na verdade, embora o País ainda não tenha uma métrica muito clara e transparente de mensuração e verificação das emissões dos gases de efeito estufa, o mercado de créditos de carbono está em pleno funcionamento.


As empresas públicas e privadas têm se envolvido, cada vez mais, na pauta climática tanto por exigência dos consumidores, como para ter acesso a “financiamentos verdes”. Ações sustentáveis das empresas, cada vez mais, influenciam em decisões de procura por mercadorias e serviços.

O que a empresa deixa de emitir, ou o que sequestra, pode ser medido em termos de toneladas de CO2 ou CO2 equivalente. São cada vez mais frequentes anúncios que oferecem: “Calcule a pegada de carbono da sua empresa e conte com nossos especialistas para entender a melhor forma de compensar suas emissões”. Há empresas no Brasil que se especializam cada vez mais na medição tanto das emissões de GEE quando nos sequestros. Os projetos REDD+ podem ser um mecanismo importante para a conservação das florestas e dinamização do mercado voluntário. O mercado governamental, por enquanto, caminha a passos lentos.

Os créditos de carbono são auditados por instituições internacionais e registrados na Verra, uma fundação (sem fins lucrativos) que regula o registro global de créditos voluntários, seguindo um rigoroso protocolo.5

Iniciativas em progresso no Mundo para dinamizar o mercado de créditos de carbono


Mercado europeu de crédito de carbono


“As negociações têm avançado nos mercados nacionais. O preço da tonelada de carbono no mercado regulado europeu, onde estão 90% das transações do mundo, vem batendo recorde atrás de recorde: Em janeiro de 2021, um crédito de carbono (uma tonelada de CO2 ou de carbono equivalente) estava sendo vendido a 30,28 euros. Atingiu 57,87 euros por tonelada em 15 de julho de 2021. Um marco no que analistas afirmam ser uma escalada de longo prazo rumo aos níveis necessários para que investimentos em tecnologias “limpas” inovadoras sejam desencadeados. Dentre os fatores que levaram à alta dos preços estão o apoio político à nova meta climática da União Europeia, além do aumento da demanda por certificados de carbono por parte de investidores financeiros, inclinados pela elevação dos preços. Há expectativas de que as cotações subam, mais ainda, nos próximos anos, principalmente nesse cenário de guerra no Leste Europeu e de impedimento de acesso ao gás natural russo que é muito menos poluente do que o carvão mineral, alternativa que pode vir a crescer. Em 16 de março de 2022, com a guerra na Ucrânia os preços dos créditos de carbono ficaram entre 79,10 e 75,29 euros.6

Caroline Prolo, consultora do International Institute for Environment and Development (IIED) e pesquisadora na área explica que: “a razão para essa guinada é a oferta limitada e a demanda obrigatória ao redor do mundo, que está só no começo de um longo ciclo. É vantajoso para os países alinhados aos acordos globais que os emissores de carbono paguem cada vez mais caro pelos créditos, a fim de obrigá-los a poluir menos”.7


Iniciativas na China

A China lançou em 16/07/2021, na Bolsa de Energia e Meio Ambiente de Xangai, o que pode se transformar no maior mercado de carbono do mundo para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. O compromisso da China é alcançar o pico de suas emissões de carbono, em 2030 , e a “neutralidade de carbono”, em 2060. A China já desponta como o maior investidor em novas energias e ambiciona ser um dos líderes mundiais no tema climático.

O mercado de carbono chinês permite que as autoridades provinciais estabeleçam cotas de emissão para usinas termelétricas e abrange 2.225 grandes geradores de energia que emitem 4 bilhões de toneladas por ano de GEE. Também permitirá que as empresas comprem “direitos poluentes” de outras entidades com menor pegada de carbono.

A perspectiva é de que US$ 800 milhões em empréstimos serão adquiridos em 2021, e chegarão a US$ 25 bilhões até o final da década. O preço médio ficou em torno de US$ 4,60, no ano inicial, o que é muito abaixo dos US$ 49,40 que prevalecia na União Europeia – maior mercado de créditos de carbono no mundo – no dia do lançamento. O argumento usado por autoridades chinesas foi de que o mercado de carbono na China estava apenas começando. De acordo com Zhang Xiliang, criador do novo sistema, “o programa será estendido aos produtores de cimento e alumínio a partir de 2022. O objetivo é cobrir até 10.000 emissores, responsáveis por cerca de 5 bilhões de toneladas de emissões adicionais de carbono por ano”.9

Iniciativas nos Estados Unidos

A Agenda Climática sempre foi evitada pelos Estados Unidos, segundo maior emissor de GEE no mundo. Sob Donald Trump, os Estados Unidos abandonaram o Acordo de Paris alegando que sairia muito caro para os norte-americanos, com cortes nos empregos. Já o presidente Joe Biden, prometeu fazer da mudança climática uma prioridade de seu governo e tornar-se carbono neutro até 2050.

A agricultura dos Estados Unidos, em 2019, foi responsável por 629 milhões de toneladas de emissões de dióxido de carbono. O setor responde por 10% da produção de GEE no País. Gerou apenas 2,5 milhões de créditos de 2013 a junho de 2020, uma fração muito pequena de seu potencial.

Apesar do entusiasmo com a volta dos EUA às negociações mundiais, retornando ao Acordo de Paris, negociadores climáticos dizem que o caminho à frente não será fácil. As metas climáticas de Biden enfrentam desafios políticos internamente. Há oposição de empresas produtoras de combustíveis fósseis.

Ademais, o mercado de créditos de carbono norte-americano é incipiente, ainda está engatinhando, embora venha sendo considerado como uma `nova corrida ao ouro’. John Kerry e a conselheira nacional climática de Biden, Gina McCarthy, durante os preparativos para a COP-26 do ano passado, fizeram muito barulho, anunciando elaboração de novos regulamentos e incentivos com o objetivo de acelerar a produção de energia limpa e a transição dos combustíveis fósseis. A guerra na Ucrânia e os efeitos dela advindos, certamente adiarão essas iniciativas na medida em que os Estados Unidos anunciam sua disposição de suprir a Europa com o gás natural que a Rússia antes fazia. Aparentemente, os combustíveis fósseis mais poluentes terão um ciclo de vida bem mais longo e o mercado de créditos de carbono norte-americano terá pouco espaço para decolar nesse momento.

Iniciativas no Brasil

O Potencial de geração de créditos de carbono pelo Brasil é imenso. De acordo com cálculos realizados pelo International Commerce Chambre (ICC Brasil) em parceria com a WayCarbon – consultoria estratégica com foco em sustentabilidade e mudança do clima -, e em colaboração com empresas como Suzano, Microsoft, Shell, Natura, Bayer , o Brasil pode gerar entre 493 milhões e 100 bilhões de dólares em crédito de carbono até 2030. Isso equivaleria a 1 bilhão de toneladas de CO2 equivalentes, ao longo da próxima década, para os setores de agropecuária, floresta e energia.8
No sentido de conter emissões e gerar créditos de carbono, inúmeras iniciativas estão em curso no Brasil, desde governos anteriores. Na verdade, a política ambiental do governo do presidente Jair Bolsonaro é desastrosa, o que ameaça nosso antigo papel de protagonistas na Agenda Climática Mundial.
Entre as iniciativas de governo em curso, sem intenção de esgotá-las, se destacam:
1) Política Nacional de Mudança do Clima – PNMC (Lei 12.187/09)
2) Plano de Agricultura de Baixo Carbono

No caso específico da agricultura, o Brasil estruturou o Plano de Agricultura de Baixo Carbono (ABC), aprovado em 2011, oficialmente denominado “Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura”. O ABC é um dos planos setoriais estabelecidos em conformidade com a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) – parte da estratégia do Estado Brasileiro na mitigação da emissão de GEE e no combate ao aquecimento global.


Além da ABC, na agropecuária há iniciativas em sistemas integrados de lavoura e pecuária (ILP) e lavoura, pecuária e florestas (ILPF), com foco principal em fixação do nitrogênio e plantio direto. A intensificação da pecuária bovina de corte inclui a recuperação de pastagens degradadas, a adubação de pastagens extensivas e o confinamento.


3) Código Florestal, Lei 12.651, de 25 de maio de 2012, estabelece normas para proteção da vegetação nativa em áreas de preservação permanente, reserva legal, uso restrito, exploração florestal e assuntos relacionados.10

4) O RenovaBio , Política Nacional de Biocombustíveis, instituída pela Lei nº 13.576/2017, cujo objetivo é expandir a produção de biocombustíveis no Brasil.

5) Tramita na Câmara Federal o texto do Projeto de Lei 528/21 que institui o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) e que vai regular a compra e venda de créditos de carbono no País. A criação do MBRE está prevista na lei que instituiu a Política Nacional de Mudança do Clima (Lei 12.187/09). De acordo com o PL, crédito de carbono é um certificado que atesta e reconhece a redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE), responsáveis pelo aquecimento global. Em consonância com os acordos internacionais, o projeto prevê que um crédito de carbono equivalerá a uma tonelada desses gases que deixarem de ser lançados na atmosfera. A proposta regulamenta os principais pontos do novo mercado, como natureza jurídica, registro, certificação e contabilização dos créditos de carbono. Também fixa um prazo de cinco anos para o governo regulamentar o programa nacional obrigatório de compensação de emissões de GEE. O projeto sequer foi aprovado, o que aponta atraso no processo de descarbonização e de cumprimento das metas acordadas no âmbito das COPs.

Resumindo


Somente a agricultura no Brasil, segundo estimativas reunidas no relatório do ICC, poderia gera em torno de 10 a 90 milhões tCO2e de créditos de carbono; o setor de florestas tem um potencial de geração entre 71 e 660 milhões tCO2e ,e o setor de energia algo em torno de 27 e 250 milhões tCO2e. Se totalizarmos em termos de tCO2e teríamos um mínimo de 108 milhões e um máximo de cerca de 1 bilhão de toneladas de CO2e que equivaleria a um bilhão de créditos de carbono. A precificação desses títulos tem oscilado bastante, mas com tendência para mais.


Há avanços no setor de energias renováveis e até na produção de óleo e gás. O programa brasileiro de biocombustíveis, com a substituição de gasolina por álcool, é de grande relevância, mas as oportunidades para o Brasil não se esgotam nessas iniciativas. Temos um longo percurso pela frente e o mercado de créditos de carbono deve ser visto como prioridade. Mas, para isso, temos que desenvolver métricas mais transparentes e instituições para fiscalização e regulamentação.


O que se espera do desenvolvimento do mercado de créditos de carbono é aumentar o potencial de desenvolvimento econômico com equidade social e equilíbrio ecológico. Para tanto, o modelo de mercado de carbono a ser implementado deve contemplar, entre seus objetivos: a proteção da biodiversidade, o acesso equitativo ao desenvolvimento sustentável, a erradicação da pobreza e a justiça climática, em harmonia com o Acordo de Paris e a Convenção do Clima.

Maria Luiza Falcão Silva
Joaquim Pinto de Andrade
Março de 2022


Notas:
(1) (https://www.poder360.com.br/meio-ambiente/bndes-fara-leilao-de-credito-de-carbono-em-2022/).
(2) https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2021/10/16/preocupacao-com-mudancas-climaticas-faz-surgir-mercado-de-creditos-de-carbono-veja-como-funciona.ghtml
(3) https://www.gov.br/pt-br/noticias/meio-ambiente-e-clima/2019/10/brasil-deve-cumprir-meta-de-reducao-das-emissoes-de-co2-em-2020
(4) https://petrobras.com.br/fatos-e-dados/petrobras-apresenta-projetos-voltados-a-reducao-de-emissoes-na-cop-26.htm
(5) https://verra.org/about-verra/who-we-are/
(6) https://br.investing.com/commodities/carbon-emissions
(7) https://www.iccbrasil.org/media/uploads/2021/09/28/sumario_oportunidades-para-o-brasil-em-mercados-de-carbono_icc-brasil-e-waycarbon_gt6p4ZR.pdf
(8) Idem op cit
(9) https://economia.uol.com.br/noticias/afp/2021/07/16/china-lanca-seu-tao-esperado-mercado-nacional-de-carbono.htm
(10) https://www.embrapa.br/codigo-florestal